POESIAS

LIVRO 1
Noites de Setembro
Abimael Borges
Poesias

AO LUAR DE SETEMBRO

Numa noite de setembro eu tive
Uma visão angelical:
Não era pintura de Picasso,
Nem escultura de Michelangelo;
Era um anjo que se despia
De sua luz em minha frente.
Não era olhar de visionário,
Nem fantasia de carnaval,
Não era um jogo de bilhar,
Nem ilusão da minha mente;
Era um anjo que se despia
Ficando nu em minha frente.

Que intérprete celestial
De sua nobreza desceria
Para me contar com firmeza
Tudo aquilo que eu via?

Não era coisa de demente:
Era um anjo em minha frente.
O fino manto que o cobria
Tinha o cheiro da flora
Banhada ao luar de setembro,
Que de beleza enche os olhos
E de doçura enche a vida.
Anjo perfumado de pureza,
Caminhando lentamente,
A deixar cair de si
O fino manto que o cobria.
Anjo a se aproximar de mim
Com um toque flamejante
E um suspiro profundo.







ELOGIO

Eu não fiz uma poesia
A fim de elogiar os homens,
Pois a estes cabe
O elogio da terra.
Cada chuva ácida
É um aplauso à astúcia;
Cada furacão, cada tornado,
Cada tempestade, todo maremoto,
Cada terremoto aplaude o homem.

Vede a felicidade dos céus,
Da terra e dos mares
Em todo lugar onde
O ser inteligente
Implantou os seus projetos
Projetos de uma raça sem dó
Concepções de uma espécie só.

   Quem consultou o javali
     Se queria ele morar ali?

Agora vai a Marte;
Quem sabe de lá outrora
Não vieram a Terra
Trazendo os costumes egoístas?
Com os quais destruíram seu mundo?
Eu não fiz uma poesia
Para elogiar os homens,
Pois a estes cabe
O elogio da Terra
E o abraço do Sol.


SER INFORME

Por horas sou o sol,
Por vezes sou a lua,
Ainda hoje fui à rua,
E lá estavam as estrelas.

Às vezes eu sou cometa,
Outras vezes sou satélite,
Ao certo eu não sei quem sou,
E se eu não for quem acho,
Então talvez seja o riacho,
Sobre os penhascos da dor.

Há horas que me desabo,
Horas que me levanto,
Oh! Deus, nem sei como não canso
Das horas que me percebo
E daquelas que me procuro!

Agora vou à penumbra,
De repente eu volto em luz.
Sei que vou sumindo no universo
A cada volta do planeta.
Nesse ser sem ser e reverso
Nesse vai-e-vem interminável
Vou viver no mundo
Entre complexidades
E contradições próprias
Dos humanos ou
Dos insetos.



MEU NOME É GENTE

Por via das dúvidas
Deixe-me esclarecer
Aos que me tem por demente
Não sou espelho do mundo
Nem sou receita de homem
Sou um ser diferente,
Ó fulano!
Meu nome é Gente

O poema é meu, senhores,
Saiu de minhas entranhas
Eu o concebi
Ele me pertence
Sou poeta sem identidade
Meu nome é Gente
QUANDO OS OLHOS SE FECHAREM

Eu amo o que sou
Porque meu ser é completo.
Completo de imperfeições,
De virtudes relativas,
De irrefletidas buscas
E de tudo que se repete
Num ciclo eterno
Para formar meu ser.

Eu amo o que a vida é
Porque em si não se presta à perfeição;
Com experiências ensina
Dos erros e enganos
Suscita transformações.

Mesmo assim reclamo
Porque todo ser pensante
Quer entender a si plenamente
E ao que está à sua volta;

Porém aquele que rege o Universo
Deu-nos enigmas profundos
E a árdua tarefa de desvendá-los,
Fantástica descoberta de minúcias
Tão complexas que assim
Justificam a existência.

Eu amo, por fim, a comunhão,
Embora a controvérsia da sobrevivência
Implique na morte pela vida dos seres.

E este ser que ama a tudo,
Que no absurdo vê brotar a esperança,
Este mortal que acredita na vida pura,
Não teme o mundo nem o mal
Quando os olhos se fecharem
Na visão do infinito...
E o conhecimento pleno,
Do agora e de tudo,
Estará sobre ele
Eternamente.





O QUE DIZEM AS FLORES

Flores que brotam no silêncio
Da terra preta molhada;
Que sobem sozinhas e se abrem,
Balançando ao vento
Para animar a vida.
Pétalas umedecidas de uma noite inteira,
Sob o frescor do orvalho,
Que solta um aroma suave,
Afetuoso como a erva-doce,
E atrai a si as mãos das fadas.

As meninas de cabelos compridos
Que correm entre as árvores dos jardins
Vestidas de azul-céu ou verde-mar;
Correm como se bailassem a uma canção
E têm um coração pequeno de tanto que bate.
Corre incansável pelas flores frescas,
Usa as mãos de seda para agarrá-las
E as tomam como a um grande amor;

Os meninos, pálidos de desejos furtivos,
Que se envaidecem à frente do espelho
E se aborrecem com cravos e espinhas,
Esboçam rascunhos de falas carinhosas
Que tão poucos efeitos causam.
Quando não adentram o universo poético
De falas tolas e fragmento de versos
Ou suas habilidades, formas e cores páram
De agir sem razão aparente,
Eles ousam agachados às flores,
Com mãos de coragem e medos implícitos,
Agarrá-las e admirá-las como se nelas vissem
Seus maiores amores ou um grande sonho.
Vão levando com eles odores festivos
E sobre a pilastra da varanda
 - que em vez de casa é templo de fada -
Largam-nas solenes e se afastam.
Eles sabem para quem foram deixadas
Elas sabem quem lá as colocaram
E tudo mais deixa que as flores digam
Permite-se que as flores falem;
Falam muito melhor
Que as palavras.
E seu frescor,
Aos corações aquece.



FOLHAS SECAS

Era apenas uma folha verde;
Uma folha sonhadora balançando ao vento,
E queria voar mais longe...

Viu uma gaivota distante
Com asas abertas no ar;
Viu seu pouso lento no chão
E seu revoar suave.

Folha, que em tua mãe-árvore
Estás em sossego!
Aquieta-te ai mesmo
Que os ares a ti são negros!

Mas não. Teima em querer voar.
Briga, pede dispensa.
Quer se soltar,
Quer liberdade,
Não teme o desconhecido.

Árvore que balança
Numa quase mórbida insistência,
E a filha folha malcriada não quer ficar.
A folha se amarela tristemente e cai.
Solta-se, liberta-se, voa.

Um curto passeio das alturas.
Vale a pena? Quando vale a pena?
Descer num bailado magistral?
Encantar uma platéia imensa?
Descer é a dor do fim vindouro
Declinar pensando estar em vôo
Sem ver se aproximar o chão que chega,
O vôo converte-se em pura queda.

E outras folhas a viram voar.
Então, em comentários e elogios,
Não escondiam a inveja.
Uma diz: também quero voar!
Outra: quero experimentar.
Uma a uma voam ao chão.

Chora, mãe-árvore, a dor da perda
Que é verão e tuas folhas se secam!
Tuas lágrimas quentes encher-te-ão de flores.
Deixa estar. As folhas também chorarão
A pedir que um vento as carregue
A um vôo igualmente breve.



A BELEZA DAS CINZAS
Para Saimara Mello

Uma vez fui árvore seca
Do tipo que se vê murchando,
Deixado para trás por alguns amores.
Árvore seca numa beleza rara!
Uma montanha distante prende
O sol que rompe com o mundo
Que pouco a pouco abraça
A noite profunda e triste.
Então a cena é única,
Mesmo que se repita.
A árvore seca à frente:
Galhos que apontam para o céu;
Cascas mortas que se desprendem,
Descem pó de madeira morta.
Árvore seca distante da estrada,
E o passageiro olha, vendo-a finda,
Já preste a virar fogueira
- Folhas, flores e frutos -
Vão caindo aos poucos.
Fica pelada, apontando para o céu,
Como a implorar uma gota salvadora.

Um pintor achou-a linda.
Suas curvas desenhadas  imperfeitas;
Um fundo de cores quentes da tarde;
Uma sombra preta estendida ao chão,
E a pintou pra sempre em sua tela.
Agora a árvore seca não está morta;
Está congelada no tempo eternamente,
Numa beleza imutável e de pé,
Para dizer a todos que passam,
Que mesmo perdendo as folhas,
Flores caídas ao vento,
E sem esperanças de novos frutos,
Há beleza nos galhos compridos
Apontando, no céu, o infinito.

Ainda que a seus pés uma labareda
Inflamada aos poucos lhe queime,
Restará em nobreza imponente
A beleza das cinzas.
BEIJO AMARGO

Tropeço em teu olhar
Piso em falso no desejo
Sinto, a sugar-me, o amargo beijo.
Ainda mais aumenta a fome que te busca
Embutida neste peito que deveras
Perde-se pouco a pouco por ti.

Sempre amargo o beijo frio.
Em tua pele o sal quente se desmancha;
Não me arranha o toque de tuas mãos.
Aproveito o som dolorido de teu ronco,
A delicadeza firme do teu corpo,
Largado de qualquer jeito sobre a cama,
A cama que já antes fora nossa.

Tu és minha infelicidade pura;
A falibilidade do sossego deste ser
Que se busca nas perdições agudas
E que inutilmente tenta
Resgatar a paz perdida um dia.
És a ingenuidade crua,
O luto que envelhece sobre o corpo,
E se perpetua sobre a alma enegrecida
Que, na penumbra, pena de pesares
Numa timidez maligna que vai se espalhando.

Agora comparo os passos lentos que dou
Com os que outrora conseguia.
E por onde anda o teu coração?
Quem dera eu saber agora!
Como um bandido malvado,
Num escuro profundo, quisera
Dilacerar tuas entranhas para apenas
Fotografar detalhes das andanças tuas.
Fazer raios-X do peito que me trai,
Que amamenta anseios de outros seres
E que me fez mergulhar
Neste mar de profunda procura.

Apenas de desejos vivem
Os sonhos que nasceram ao acaso,
Molhados por tua saliva incandescente,
Regados por teus olhares penetrantes,
E que com teus pés, gentilmente,
Vais pisando sem receios,
Vais matando-os.



LIVRE PRISIONEIRO

O horizonte sempre acaba atrás do monte
E a estrada termina após a curva;
O fantasma de teu rosto
Sempre está em minha frente.
O futuro não existe,
E o passado é o sempre.
A plenitude do tempo em nós:
O hoje é eterno embora o corpo morra.

Minhas cores preferidas
Não estavam em teus quadros;
Minhas formas mais bonitas
Não pintastes em teus retratos;
Meus desejos mais secretos,
Que somente tu sabias,
Não deixastes escondidos
Nem fizestes ser verdades.
Nem ao menos na amizade
Minhas músicas ouviste.
Meus cds tu os arranhaste,
Da cerveja que eu bebo
Nem um pouco provaste.

Que segredos há contigo?
Onde estás que não me ouve?
Nenhum relógio mede o tempo
De uma madrugada solitária,
Nem termômetros medem o frio
Que me faz a tua falta.

Forja hoje em forno quente,
De metal indestrutível,
As cadeias e as correntes;
De blindagem faz a cela
Que se hoje eu saio dela
Vou roubar teu coração.
Por que quero liberdade?
Onde a encontrarei?
Se ando o tempo todo
Numa cela de saudades,
Num castigo de desejos,
Vendo o sol se escondendo
E me acabando no tempo?
Não há nada após a curva,
Nem horizonte atrás do monte;
E tu estás na minha mente.




PALAVRAS

A falação nossa de cada dia.
Palavras flamejantes que voam,
Lagartos se arrastam nas pedras,
Ditados que os ares povoam,
Destilam raios ferinos.
Serpentes são como meninos,
Crianças são anjos crescentes.
Todo zumbido da cabeça
Sobre papel vai caindo,
Como lava penetrante
Ou orvalho sereno.

E não se perdem ao vento
Letras das mãos dos poetas,
Derrame de nostalgia,
Flores que brotam no seco
A miragem do ermo,
       Um fenômeno novo.

Sol que se desnuda novamente
E o dia amanhece outra vez;
Nudez do sol que ilumina a terra,
Aquece a quem sofre o frio,
Abrasa a quem o teme.




CORPO ESTRANHO

Larguei tudo por ti
O sonho de um sábado à noite;
Uma noite apenas e mais nada.

Está escrito em tua cara:
Tens vontade de expressar teu ódio;
O rosto sombrio não me nega.

Vai, levanta dessa mesa,
Deixa que eu pago a conta!
Larga meu olhar perdido no passado,
Meu corpo estranho em mim,
Saboreando o doce do beijo que te enojas.

Basta-me o guardanapo sujo de teus lábios;
O garfo que tua boca tocou.
Teu corpo que de mim se afasta,
De um jeito muito indiferente,
A tentar disfarçar a repugnância.

Dá-me mais uma desculpa de ir ao banheiro,
Para lavar o rosto e a boca imunda,
Neste rosto que sorri de fingimento
Eu vejo o ódio que tens de mim.
MENSAGEM UNIVERSAL

Homens e estrelas
Em um debate infernal.
Raios luminosos que se propagam
Pelo infinito indefinido no espaço,
Pela vastidão do tempo.
Homens e estrelas
Numa velocidade estonteante,
Desprendidos da gravidade da Terra
A viajar  por inércia  eternamente.

Quem deixou acesa a ponta do cigarro?
Quem queimou a pele indefesa da criança?
Quais as barreiras que encontrou Gaia,
Que em seu caminho em torno de si,
Deixou-nos a morrer de fome?
São as mesmas coisas que querem levar
Para a filha única na qual pisaram.

Não há homens nem estrelas que respondam,
Mas os gemidos ecoam por ondas infindas.
Nem que o brilho das estrelas infinito fosse
Poderia impedir que voem
Os gritos da geração
Que a omissão dos cometas fez existir.

Se for a existência, um fato inútil,
Apenas conceituamos quimeras.
Como se esse universo fosse gelatina
Onde as rachaduras vêem-se como raios-gama
Desdobrando-se de acordo com sua espessura
Para ser raios luminosamente diferentes,
Espetáculo aos olhares curiosos das massas.
Se os poros desta gelatina galáctica
Fecha-se ao exterior numa força abrupta...
Sendo um orifício oposto à matéria
Descolorado, do ponto de vista artístico,
E mesmo assim é fantástico e perigoso,
Então por fim hão de admitir
Homens e estrelas
Conviverem juntos.


O RETORNO DO MÁRTIR

Meu coração ferido resistiu.
As cascas das minhas feridas estão caindo,
Sinal de que vou me curando, aos poucos,
De todas as quedas sofridas.  Vou vivendo.

Meu fim e meu começo num encontro de paz,
Dando-me lição de recomeço pleno.
O medo que me detinha exalto.
O medo deixou-me vívido,
Ávido do ser que me forma,
Que não é imortal, mas se reforma
À medida que se eterniza
Sobre os palácios que meus pés pisaram.

Eu nego que a dor me devora
Menos que as pavorosas lembranças.
Tenho-as como a herança cravada
Em cada caminho que vago,
Mas nem se coloca aos pés das cruzes
À beira da estrada distinta,
Impune dos crimes de morte
Que cometem e culpam os homens.

Agora exala o odor do meu sangue pisado;
Mesmo as feridas profundas já cicatrizaram,
A intensidade da dor não matou meus sonhos.
Repousei sobre a vingança dos que me vitimaram;
Dormi sobre o leito de ódio de quem me envenenou,
Ademais, resta apenas que estou vivo  esta é a verdade
Resta ainda que minhas mãos estão desamarradas,
Que a ferrugem e a podridão comeram os laços,
Que meu fôlego retorna desdobrado e forte
E que meus ossos não estão quebrados...
Portanto, estou pronto.

Nada hei de desejar a meus carrascos,
Visto que se destroem em si mesmos;
E nada, mesmo a Morte, pode agora me intimidar,
Visto que este medo deixou-me vivo,
E mostrou-me que ao caminho da eternidade,
Prossegue-se sem meios termos,
E a honra na morte é mais nobre,
Que a vergonha na vida.



O ÉSSE

O Ésse não sabia o que fazer:
Se vivia pra servir
Ou se servia pra morrer.
O Ésse não se sentia
Não se encontrava em si
Não se achava em nada
Além disso, o Ésse era tímido,
Tinha um ar de quem esqueceu algo
Carregava o medo de quem teme a tudo
Falava fino, desafinado, engasgado,
Olhando por baixo fingindo ser mudo,
Mas o Ésse era malandro:
Andava na calada da noite
Procurando más companhias.
Disse um dia, sem saber que ouviam,
Que precisava de alguém
Para fazer coisas proibidas,
Para amar sem olhar quem.
Esse Ésse tem manhas
De mil e um gatos pretos.



OUTRO

Sempre me pergunto:
Que mania boba é essa de gostar,
Que jeito louco é esse de querer
Tocar aos poucos a pele de outro ser?
Amar assim é morrer aos poucos,
Sentindo o toque virtual nos lábios
De uma maciez aveludada e perfeita.

Sempre pergunto ao meu coração:
Que teimosia é essa de bater forte,
Quando vê este outro ser à frente,
Ou quando simplesmente bate a lembrança?
Aliás, tenho que saber desta memória minha,
Por que guarda todas as lembranças,
Por que sempre trás à tona um momento...
Se pelo menos fossem de realizações,
Se pelo menos houvesse uma prática nobre,
Um desenrolar de amor gostoso e forte...
Mas não. São apenas imagens e desejos;
São olhares desencontrados.

Sempre indago ao meu lugar:
Que mania é essa de estar sempre do lado
De quem não me olha de frente,
De quem olha em outra direção,
De quem se esquece que eu estou do lado?
O meu caminho ainda não me respondeu
Uma pergunta que fiz em segredo,
Um dia que eu tive um grande medo,
Quando me vi ao lado da solidão...
Quando, ó caminho,
Quando esta separação vai se encontrar
Frente a frente com aquele olhar?
Quando meu destino vai me colocar
Olho no olho daquele outro ser?
Respostas?
Não. Silêncio,
De tudo e de mim mesmo.

Sento-me neste banco de praça,
Olho o céu negro e a lua de prata,
E prossigo a definhar de desejos.
Sem ver teu ser eu te percebo.
Tremo ao te ver e me excito.
Ao te tocar, não sei o que sinto.
É êxtase! É euforia! É continência!
Tu és o ser que me rejeita!
Eu sou o ser que vai te amando!
Eu choro em tua despedida,
Tu ris de mim...
Retirando-te.
A ÚLTIMA TORRE

Deixo-me cá,
Sob o chuveiro celeste,
De onde desce agulhas
Qual fina chuva sobre o deserto,
Enquanto ele parte de mim
E sobe penosamente a última torre;
Anda vadio e demente,
Esquivando-se da dor da morte,
Pensando que sua sorte,
Será viver eternamente.
O engano será seu mestre.

Ele reside ali,
Num castelo de neve,
Mas ao Inferno ele deve
E vai perder todo o frio,
Dando contas às águas dos rios.
Vê-lo-emos ruir
Com sua última torre,
Seu império funesto,
Sua tábua de dormir.
Estarei então lá
Para chorar a dor que o devorará
E saber o porquê de não ter me amado
Por que só quis me usar,
Deixando-me sobre um leito de mágoas.

Todos os amigos o verão se acabar,
Todos o verão sucumbir;
E, em coro, com certeza dirão:
Quem aqui fez
aqui tem que pagar!


O SILÊNCIO E O SOM

Quero hoje a música maior
Que profane o silêncio profundo
Das agruras que minha alma sofre.
Quero que seja o canto mestre
Que ecoe cego pela vastidão do mundo
E tal qual em um vácuo eterno
Se propague sem limite pelo tempo
Como o lamento dos cantores do oriente,
Ou a ostentação dos norteamericanos,
Que seja indulgente feito canto gregoriano
Surpreendente como O Moldávia e nada mais.
Não me importa agora o que a linguagem diz,
Quero o som penetrante dos acordes da ópera,
A embriaguez a que se eleva o espectro do homem,
Sob sinos e instrumentos de cordas.
Porque procuro na voz dos homens
O grito mais longo, profundo ou forte,
Que seja acompanhado por instrumentos de sopro,
E que, por todo esse conjunto indissolúvel,
Espalhe em mim a divindade plena que me falta.
Porque minha alma sedenta procura
Beber o líquido fresco de uma fonte
Que hora se encontra vazia de som;
O som que vem do mover das águas.
Porém se nada disso me servir
Se eu vir a habitar o silêncio triste de sempre
Nem desejarei mais som algum,
A não ser aquele que faz
Minha barriga vazia
Tanto quanto o coração se sente.


FAMÍLIA

Os meus irmãos são como galhos secos
Altas árvores e seus ramos distorcidos;
Num canto protegido de uma igreja
Estão enterrados os nossos umbigos.

Minha irmã  a mais velha 
É como jaqueira cheirosa
E seus filhos como sementes
Lançados ao vento.

Outras irmãs que ainda tenho
São pólens e grãos pelo ar;
Um dos meus grandes medos na vida
É não saber onde vão parar.

Minha mãe é uma flor ferida
Na maciez de suas pétalas
Repousa tranqüilamente
As gotas de seu pequeno ser.

Meu pai é como ave marinha em pleno revoar:
Pousa um pouco e depois segue seu caminho.
Olha seus domínios cercados de vasto mar
Vê o mundo, mas acha que está sozinho.


PARA QUEM ENTENDE DE BELEZA

Há beleza que é rara
Existem outras que são caras;
Há belezas que são puras
Existem belezas chulas
E a tua? Que beleza será?

Tua beleza? Onde está?
Em cima na terra?
Voando pelo ar?
Na vastidão do espaço ou
Nas profundezas do mar?

Tua beleza? Como está?
Como segredo guardado no porão?
Frágil como boneco de neve?
Há beleza que está na pele
Há beleza de coração.

Enfim, como, onde e o que será, pouco importa.
Beleza não é coisa morta,
Não é coisa que se possa explicar;
Existe até beleza que é torta
Mas nenhuma deixa de brilhar.

É que a vida é assim mesmo;
Uma hora me olho no espelho
E não quero ver o que vejo.
Às vezes ando na rua
E vejo o que não quero ver.
O que importa não é o que vejo;
É o que consigo sentir.
Assim, tudo o que se sabe do belo,
Na mera visão do que se põe na mesa,
Para quem entende de beleza,
Não passa de pó de chinelo.

BEIJO DE INSANIDADE

Beijo tua boca como se devora carne
Carne macia temperada ao fogo.

Beijo tal qual a abocanhada
Na maçã suculenta que dou.

Teus lábios grossos são tabletes de chocolates,
E tua língua salgada como o queijo;
Os lábios estalam ao toque profundo dos meus dentes,
Produzindo o suco que o corpo aquece.

(Meu Deus, o que é isso?
Que loucura é o beijo
Da boca gostosa
Do ser que desejo!)

Beijo de insanidade pura,
Coisa de um apego doido;
Figura típica de maluquice
Maníaco, alucinado, demente.

Quem não vê a mão que arrasta o pescoço
Contra o outro como se não fosse gente
E os corpos se contorcem todo,
Um contra o outro, a parede, e é pouco...
E precisa dizer que os corpos se ardem?
Riam de fininho, mas não disfarcem:
Quem não deseja um beijo louco?
VAMPIRO

Morcego, nêgo, como eu te admiro!
A lua cheia atrás da nuvem negra foi sumindo
E na penumbra da noite chegaste voando,
Assustando as donzelas pálidas que estão passeando,
Aos gritos elas correm e eu fico rindo.
Morcego, nêgo, como eu te admiro!

A escuridão tomou a noite em ermo.
O pescoço do moço foi aparecendo...
Senti por ele um tesão intenso
E uma sede doida me foi secando,
E os meus dentes logo foram crescendo.

Teu fim, moço moreno,
É breve estar nos meus braços;
E o fim da virgem pálida não sei,
Não sei se a mereço.



VINGAI-VOS DA MORTALIDADE

A vós, pequenos mortais,
Direi o segredo dos deuses.
A grosso modo, a lógica é:
Sorriam, meus filhos,
Que isso enfurece os deuses.
Já nos bastam as mazelas do mundo,
A desgraça e a profunda dor,
O peito sangrando do amor,
Ou mesmo a podre solidão.
Sorriam agora que vos definhais!
Sorriam que isso enfurece os deuses.

Que mais esperais senão o matar
De pirraça os imortais?
Fazeis tudo com gosto,
Ardeis em harmonia,
Subjugueis a certeza de que
Vós todos sois mortais.


O ÚLTIMO ADEUS

“O meu amor é uma carta que voltou,
mas o meu ódio tem endereço certo.”
Herculano Neto

A distância retorce
A imagem que meus olhos tentam ver;
O tempo com seu vento
Afasta as lembranças curtas.
As novidades, essa poeira viva,
Recobre o resto que sobra.

O meu amor nasceu tão forte...
Cresceu mais cedo do que imaginei
Para eu descobrir que é mais difícil amar
Do que viver sem ter ninguém
Odeio meu coração,  este bobo,
Combalido por um amor sem gás
Um querer cego que só tem um lado
Ao que devo este meu último adeus.

Vem a brisa fria da saudade
Fazendo chover meus olhos,
Lavando a lápide congelada
Onde se pode ler:
“Aqui jaz eternamente um coração ferido”.

PEQUENAS COISAS

Um relance de repente.
Um gesto fugaz,
Desprezíveis suspiros
Discretos olhares.

Desejos gravados
Nos traçados entrelaçados;
Nas entrelinhas das estrelas,
O registro eternizado
No papel do acaso.

Olhamos e não percebemos...
           É como ver a maçã e não comer.
Sonhamos e não entendemos.
           É como não sentir o sabor.

Tão atados que estivemos
À frívola decepção do momento
Que no aperto de mão
Nem houve pele.

Tudo tão normal
Como, no deserto, andar a camelo,
Como no drink - o cubo de gelo;
Normal feito luta entre o Bem e o Mal.

Não eram os vestidos das noivas,
Nem comboio presidencial.
Eram as pequenas coisas;
Era o óbvio,  era o normal.

RECOMEÇOS

Há uns passos falsos dados
Que me causam calafrios;
O recomeço é uma estrada solitária,
É um caminho vazio.

Há coisas que não têm jeito:
Uma pedra no caminho,
Alguém que bebe sozinho,
A espada de um “não” no peito.

Fechar meus olhos às falhas
É como abri-los para o infinito,
Pois humano perfeito é maldito,
E benditas são as migalhas.

Meu nome é João da Sanfona,
Homem sério, filho do sertão.
Não importa quanto bate o coração:
Vida e morte se completam na honra.



MAÇÃ VERDE

Corre contra o tempo, simplório camarada!
Que maravilha é esta geração Maçã Verde.
Na bandeja do teu café tem o jornal da noite.
Tu nasceste ontem e cresceste quase nada.
Está tudo bem, embora nada funcione.
Ninguém mais acredita no lobo-homem,
Embora hoje, definitivamente, ele exista.
Quem não vê varrerem as conquistas?
O sangue do pobre é o detergente da calçada,
Quem se importa, isso não é nada.
O terno do nobre vem do cofre municipal;
Isso nem é mal diante do ser
Que depois de verde já apodrece.
SENTINELAS

De gota em gota cai a chuva.
De gota em gota cai meu coração.
Se cada gota floresce o chão,
Cada queda dá-me mais vida.

Quedas todas  cada uma delas
Foram marcos e revelaram
Como da semente brotou galhos
E em cada galho nasceram grãos.

Uvas,  sucos e luvas usam as sentinelas
Em todo o vão que lhes é confiado;
Muros e pedras são lembranças delas
E todo macho ali enamorado.

E em todo acho tem vapores frios
Como em certos causos também tem
Todo trapo tem uns velhos atos
Assim que mato bichos têm


LÁGRIMA VERMELHA

Sabes daquela lágrima azul?
Em breve estará vermelha.
O Maligno do sonho despertará vencido.
Os ramos da roseira brava que está em teu jardim
Será um rubro anel a laurear a minha testa.
Quem fez-me um tapete na festa
Ver-me-á distante, caminhado nas pedras.

Olhai bem aquele monte
Pois é pra lá que eu caminho
Vês ali aquela árvore?
Ela morrerá por mim.
Todo esse chão em que eu piso
Pertence-me e o verás
Abrir-se todo em dois
E os dois mundos se dividirão
Pois por eles, eu sou mártir.



FRÍVOLOS  ETERNOS

Hoje temo tanto pelos meninos pálidos.
O último e o primeiro das carteiras do colégio.
Aqueles que usam óculos e por trás das lentes
Assimilam o mundo e se alimentam dos livros.
Temo por esses meninos calados,
Por esses tímidos e retraídos,
Pelos que se escondem.

Temo tanto sem saber a razão,
Porque os filhos da razão são suicidas.
Os filhos da verdade são os mártires
E os reis estão grávidos das mentiras.

Meninos mal criados e mal entendidos,
Mal explicados e mal queridos;
Mal do novo século, os solitários,
Espectros de deuses modernos,
Anjos despenados  nomes da história
São frívolos e são eternos.

Tenho uma coleção de Anjos despenados;
Uma quantidade de Frívolos Eternos.
Tenho à memória outros tantos
Engenhos engenhosos da natureza,
Coisas pensantes e idealizadoras
Pelas quais outros temeram
E nenhum deles tornou-se livre
De seu destino final.


SEM POEMAS

Até me parece um tédio:
Dei meus últimos suspiros poéticos,
Nenhum som mais provem da imaginação;
Parece-me que as vozes se calaram.
Vivo um momento longo de maresia,
Que nenhuma poesia nasce em mim.
Não há visão de lua cheia,
Nem beirada de mar
Que me inspire escrever
Um poema.
Um poemazinho sequer.

Minhas alegrias não são poéticas,
Minhas angústias hoje não contribuem,
Meus sonhos não valem tanto
Meus desejos,
Meus encantos,
Nada que seja meu,
Ou que esteja noutro.
Nada que veja eu,
Nem que me veja na estrada,
Tentei durante noite e dia,
Mas nenhuma poesia
Veio ao meu pensamento.

Ó céu, que angustias minha alma!
Forças ocultas me fazem gritar:
Onde estão tuas ações
Que não me sobe ao coração
Uma vontade de poetizar?
Vós, dores dos poetas
Desilusões dos amantes,
Imagens surrealistas,
Tudo aquilo que antes
Fazia de mim um poeta!

Estou como o fenomenal atleta:
As pernas tortas e a boca aberta,
Mal casado e sem bicicleta;
Não tenho paixões,
Nem amores impossíveis;
Não tenho arrependimentos,
Nem medos indivisíveis;
Não tenho tristezas e nem alegrias,
Nem a solteira nem a casada,
Não tenho romances nem poesias.
Tive tanto e não tenho nada.


O REINO CAÍDO

Ninguém quis saber porque as folhas secam,
Mas como folhas todos padecemos.
O verão maldito pelos campos se alastra,
Vede, porém, que não é por isso que morremos.

Honrem, por misericórdia, a dor dos desvalidos,
Notem que já os deuses entre si discordam,
Que o problema destas mortes vem lá das raízes;
As pragas dos cupins corróem e as devastam.

Toda essa desgraça surge da cegueira,
Da abstinência da ação refletida.
Em cada esquina há alguém a olhar o que passa.
Escutem inertes ao ecoar dos sinos fúnebres
É a nota de falecimento da esperança.
Quanta ânsia debaixo dos céus!

Nos guetos imundos já não se cabe
Toda a miséria acumulada;
E toda forma de penúria sobe ao palácio:
Reis e príncipes apodrecidos,
Hostes e arquirrivais armados,
O cenário triste de um poder vencido.

Foi o mal do século  a peste negra?
Quem derrubou o reino que se dizia forte?
Súditos ignorantes dominados pelo Norte
Ou a arrogância de quem tinha o trono erguido?
VERBOS

Olhar
Porque tudo começa nos olhos.
São os olhos as portas da alma
E o coração  válvulas de escape
Por onde fogem sorrisos
Em pulsações calmas.

Querer
Sem que seja o querer de posse.
Querer é verbo de gratidão.
É gosto que se deseja ter
Repetidas vezes
Como sorte.

Sentir
Sendo bem mais que um toque,
O sentir é mergulho profundo.
No fundo, sentir é coisa
Do outro mundo.
É ascensão.


RETALHOS

Talhos em tua pele.
De preto são os retratos.
Até aceito as migalhas.
Não se faz excomunhão com alho.
Toma as rédeas dos cavalos.
Liderar é  quase sempre
Mediar conflitos ardentes
Entre Deus e o Diabo.

Não quero ouvir nada.
Dá-me teu sorriso
Que estou em farrapos;
Dá-me teu sorriso
Que o resto eu consigo
Emendando os retalhos.


EPÍGRAFE N º 01

Andei no mar.
Naveguei.
Meu coração estava lá,
Chefe das marés,
Nas noites frias ao luar.
Eu naveguei pelo mar
E por lá fiquei.
Estou no mar.

EPÍGRAFE Nº 02

Amanheceu em mim
O mesmo dia de ontem;
A mesma cara de morte,
A mesma fadiga de outrora.
Cansa este corpo de se levantar vadio,
De se prostrar na janela da frente,
De ver se repetir a mesma reza
Ou de ignorar tudo que vê.


EPÍGRAFE Nº 03

Quando andar perdido
A teus olhos o filho que tens,
Perdida estará com ele,
Tua alma vagando também.
A lágrima que desce em teu rosto
É chuva que o molha na rua;
E tua lembrança é força,
A força com a qual resiste a alma.

EPÍGRAFE Nº 04

Olha o homem crescendo,
Construído sua destruição;
Levanta a casa de madeira
E destrói o velho chão;
Anda na fila da vida
Sem olhar quem vem atrás,
Por isso, com DEUS,
Os últimos serão os primeiros.


EPÍGRAFE Nº 05

Sorri ao que se levanta inocente,
Ignorante da hora que o cerca;
Abrace aquele que chega,
Incapaz de ler o momento;
Beije a quem te admira,
Inábil de sondar o sentimento.


EPÍGRAFE Nº 06

Agora meu coração está pronto,
Agora as cicatrizes estão fechadas;
Já podes me trazer de teu interior,
A força das palavras que me rejeitam.
Como faca afiada fere abrindo ulceração,
A dor da indiferença dilacera o peito.
Novamente rasgarás minha alma,
Abrirás outra vez o estigma de dor curada.
Farás assim, para que eu conte aos meus amigos,
Como o amor me deixou em chagas.

EPIGRAFE Nº 07

Donde vens?
Aonde vais?
Qual é tua missão
Neste mundo de horror?
Aquele que fugir do terror
Poderá ser levado pelo furacão;
E quem do furacão fugir
Poderá ser levado pelo maremoto;
E deste, quem escapar,
A terra pode se abrir,
O fogo pode consumir,
A peste pode matar.
E tudo bem que escape,
Que fuja, que se esconda,
Uma paixão fará muito pior.



EPÍGRAFE Nº 08

O fato de nunca ter amado
Não justifica a inexistência do amor.
Quem sabe Deus não me quis
Um amante.
Quis-me sonhador.
E meu sonho de repente me disse:
- Ah, Deus, se eu pudesse amar!
MODINHA DE SÃO JOÃO

Nas chamas ardentes desta fogueira
Queime sempre tua tristeza;
Faz do nada tua beleza,
Destrói a desilusão...
Quanta festa há no nordeste
No dia de São João.
Em se falando de quadrilha,
Quanta graça há nesta dança...
Que haja sempre esperança,
Paz e iluminação...
Quanta festa há no nordeste
No dia de São João.

A seca aqui desta terra
Queima o mato, mata o gado
Traz o homem maltratado,
Só não mata o coração...
Quanta festa há no nordeste
No dia de São João.

Se a dor que é tão forte
Fosse apenas de saudade,
Digo que a calamidade
Seria de solidão...
Quanta festa há no nordeste
No dia de São João.
O foguete e a fogueira,
O pratinho de canjica,
E não é de gente rica
Que se faz animação...
Quanta festa há no nordeste
No dia de São João.




AMOR ON-LINE

Namorar pela janela
Não é coisa do passado,
Não é poema rimado,
Não é coisa de novela;
A janela do meu micro
Está sempre escancarada.
A distância hoje é tão perto,
No alcance do indicador,
No mover do roedor.

No meu quarto está o mundo,
Nossa área de lazer,
Nossos caminhos proibidos,
Nosso leito de amor.
A rede em que me ligo
Relaxa e faz bem.
Não é por necessidade
É por prazer
E por vontade

NÃO IMPEÇA O MEU AMOR

Olho para a estrada a esperar...
Passos conhecidos eu procuro ouvir;
O jeito entre a multidão é decifrável.
O perfume do corpo é muito bom
Todos os rostos da avenida me lembram você
E se vejo caminhando tento me conter...
Mas a verdade é que eu não consigo esquecer
Se à noite chover eu vou pedir a chuva pra deixar você chegar

Chuva, ó chuva, não impeça meu amor de vir
Não impeça do meu amor chegar!
Não impeça meu amor!

O trânsito lá fora está um caos.
Pensando nisso eu me sinto mal.
Tanta tristeza invade a alma só de perceber
Que esta noite eu corro o risco de não ver você

Chuva, ó chuva, não impeça meu amor de vir!
Não impeça do meu amor chegar!
Não impeça meu amor
Não impeça o meu amor



RUMORES

Que venham:
A guerra dos mundos,
O suplicio das massas.
Deste lugar já não duvido nada.
O trem louco, desgovernado,
Corre solto na linha do acaso.
A vida jura que não tem culpa.
Eu peguei o trem errado.

Barcos penam lançados ao nada.
Os nobres capitães navegaram
Num oceânico mundo desvairado,
De portos e faróis escuros.
Pestes se alastram pelos campos.
Arrasta-se o anjo da morte
Pelas colinas dantes verdejantes.
Um olho do espaço vê a terra ardente.
Os homens se destróem por vingança.
O amor é uma fera consumindo a gente,
E no poço da miséria cai a turba na lama.
Os fantasmas que governam a noite
Saem pela madrugada enluarada
A assombrar as hordas.
Por isso me cerquei de grades,
Fechei a porta da minha vida;
Fiz no arranha-céu minha morada:
No céu está o meu quarto.
Dentro da cidade,
A casa que moro é uma cela.
Vê? O céu é coisa rara!
Há nuvens negras em pleno dia,
Há ondas quentes no inverno,
E no verão há ondas frias.
Quem crer em Deus se apega à cruz,
Vai seguindo pro calvário;
Já quem não crê vai por acaso.

OUVINDO O SILÊNCIO

Para abreviar a fábula desse amor,
Dizer que ele foi um lance sem alvo,
Um querer abstrato e inconsistente.
Mas foi tão bom sentir o perfume
O corpo macio atingido de leve
Com as mãos apaixonadas
Que sempre te amaram.

Não posso continuar te amando no escuro
Investindo alto num sentimento desconhecido
Acreditando que em tua indecisão
–        se queres ou não   
Poderias dizer sim
O que não dizes  nem mesmo o não.
E eu ouço o silêncio,

Eu nunca te pedi palavras doces ou boas
O que eu precisava entender não disseste.
Irresoluto prossegue  me olhando se cala.
Penso que não haja verdade em tua alma,
Pois um coração não claudica em dois mundos.

Pode ser que o amor seja um sentimento elegante
Que por ele se lute pra conquistar mil bandeiras
Que por ele se abrace o caminho mais longo
E se chegue bem perto  tendo andando distante.
O que me desespera é te ter do meu lado,
Olhando calado sem saber o que quer.

E não me diga agora que eu sou apressado
Pois eu já fiz de tudo que meu amor pediu pra fazer
Já olhei da janela esperando te ver
Já caminhei pelas ruas querendo te encontrar
Eu já te mandei flores
Cantei rimas e versos de amores
Fui o idiota da vila  e o bobo da côrte
Aprendi teus poemas e teus jogos de azar
Fiz as honras da casa pra te encantar
Te fiz não duvidar do que sou capaz
Pra te fazer feliz

E pergunto por fim, se tu queres de mim
O amor que eu sinto e que quero te dar
Poderias dizer sim  já que não dizes que não
Poderias dizer não  se não queres que sim
Titubeante me olhas
E eu sou obrigado a ouvir teu silêncio.
Ou somente um “talvez”.
RECORDAÇÕES

Não importa o tempo...
Restos do momento passado
Enquanto o rosto transfigurado
Passeia pelas ruas sem destino.

Meu Deus eu lembro de quando menino
Andava descalço e cheio de brilho no olhar.
Ainda recordo dos males que não duravam,
Ainda recordo de esquecer a dor com o riso.
Fui me perdendo assim em nome de um sentimento
Que alguém chama de amor;
Em nome de uma infelicidade
Que chamam de saudade;
Em nome do coração
Que chamei de bobagem.

Nem sempre as coisas são como gostaríamos,
Nem todo querer está em nossas mãos,
Mas quem me dera agora ouvir uma voz rouca
De quem se diz forte o bastante
E suficientemente corajoso para existir,
Certo de ter que enfrentar tudo e todos
Dentro de um universo de contradições.
Meu Deus, eu ainda me lembro da ternura,
Uma límpida alma insegura,
Abordada pela assombração da realidade
Que de repente me arranca do sossego infantil
Lançando-me nas tenebrosidades dos acasos
Histórias de destinos incertos ou perigosos.
Lembro ainda da cadeira de balanço,
Do descanso no tenro colo materno;
Do bolo de feijão da mão de mãe.
Quem me dera poder voltar...
Qualquer coisa que eu pudesse daria
Para quem sabe um dia
Voltar a ser menino.
LIBERDADE

Em todo homem há uma águia
Toda águia quer ser livre
A liberdade quer ser fonte
Toda fonte quer ter água
Toda água quer ser doce
Doce mesmo é a vida
A vida ainda quer ser plena
A plenitude quer beleza
Toda beleza quer ser vista
Toda vista admirada
Admiro a estrada
A estrada quer ser seguida
A seqüência é perigosa
O perigo é sempre um risco
O risco é meio torto
Todo torto quer ser certo
Todo certo é mentiroso
A mentira é coisa feia
A feiúra é relativa
O relativo é dominante
O dominante é corajoso
A coragem nos liberta
A liberdade é uma águia
Toda águia está no homem
Todo homem quer ser livre

PEDAÇOS

Quantos pedaços terei que juntar
Deste meu velho e bom coração
Esmigalhado pelo amor?
O amor vem chegando sem pedir licença...
Vem fazendo bagunça na alma,
Sem perder tempo vai derrubando
Todas as nossas defesas.

Quanto do pouco de vida me resta
Que eu não derrame sobre o travesseiro
Por um pouco mais de um olhar?
O olhar vem me queimando a pele,
Arde, flameja, cintila, ofusca;
Cresce no tempo e o indivisível
Torna-me um ser errante
Que vaga sem medo e sem culpa.

Quanto de sonhos perdidos.
Sonhar é antigo;
A moda é ficar.
Quanto desejo banido,
Desejo fingido,
O certo é viver.
Quanto querer inibido,
Querer é bonito,
Melhor é lutar.


PLENITUDE

Sonhar? Não!
Viver a vida em plenitude
Imperfeita sim, mas completa.
Sorrir? Não!
Desenhar a vida com graciosidade
Nos traçados do rosto.
Agir para bem do amor;
Não viver de aparências;
Não alimentar desconfianças;
Não se entregar por carências;
Se tiver de ser,
Fazer ser como se fosse a última vez.
E se não for possível,
Não mentir aos olhos
Para enganar o coração.
Chorar no espelho? Não!
Deixar-se ao chão.
Descer.
Do pútrido surgem diamantes
Do fétido crescem árvores
Transformar-se
Exagerar-se, expandir-se.
Alimentar-se ou devorar?
Ambos! Cada um em seu momento,
Porque perfeitos são os deuses
E os filhos deles: imperfeição.
A eles  o amanhã 
Aos homens  o agora 
Se for possível o sim, não seja o não.
Se for o não, nem tente o sim.
Se tiver que ser,
Assim será.


MENINO DE RUA

Por que não questionar:
O trono do rei felino
O céu azul, o verde mar
E a calçada do menino?
Vi na rua umas meninas
Cantando canções de amor,
Gritando a vida inteira
Como o ronco do trovador.
Canta, canta criança,
Embora a vida ande nua,
Ainda há esperanças.
Canta o dia e em noite de lua
A barriga vazia dessa gente
Pobre que mora na rua.
MORTE LENTA

Meus tolos devaneios
Saltitantes sobre as serras
Busca ver nestes lugares
O lugar pra se encontrar.
Lento é o olhar que caminha
Seguindo o horizonte cinzento
De campos secos
E vidas falidas.
Segue o vento em disparada,
Evaporando a esperança;
Divaga em lenta caminhada
Envergado o homem do sertão.
Todos os meus pensamentos
Corriqueiros, delirantes,
Entrecorta-se pelos campos
Rodeando os arvoredos
Que morre devagar.
Onde estão as gramas verdes
Que hoje ao sol arquejam
Numa morte lenta e dolorida?
O problema dessas mortes
Não é o ultimar da existência
É que os corpos secam...
E com eles a esperança.


A RESPOSTA

Não tenho mais poemas
Pra te dizer, ó grande mar!
Não tenho mais poemas pra te dizer.
Não tenho mais palavras belas,
Nem pintura em aquarela,
Nem esculturas de cristal.
Já não tenho um rosa,
Nem tampouco um anel.

Espero tua resposta como a águia quer o céu,
Como o peixe quer o mar,
E a noite o luar,
O casal que quer amar.

Diz que me queres
Diz que me amas
Diz-me algo bom
Para que minha alma se alegre
Que me queres,  que me amas...
Diz algo bom para que eu me alegre.




SUSPIRO INSÓLITO

Queria olhar o céu em noite de luar,
Queria ver estrelas cintilantes no infinito,
Ver piar a coruja rasgando os céus
E sentir no rosto a brisa fria
De uma noite de verão.
Mas os céus hoje são negros,
A lua e as estrelas são pálidas
E o ar cálido que vem a meu rosto
Traz-me ânsias de vomição.
Ainda ontem pela madrugada
Cantava o galo no meio da estrada
E nós, miseráveis, acreditávamos
Na esperança do sol nascente.
Vê-se logo que hoje o sol nasce no poente
E que a noite sobre os olhos
Não tem hora para findar.
Não há luz no horizonte que ilumine.
O fundo do túnel é o começo de um abismo
E não me ponham um fundo musical.
Angelical, gregoriano ou fúnebre!
Que a passagem pelo caminho de pedras,
Pelas trevas de um destino triste,
É quimera a quem não vive,
É moleza a quem não sente.
Não foi o começo que desejei,
Não é o fim com que sonhei,
É o começo do fim,
No princípio do nada;
É um galo calado de madrugada.
Abismo em fim de túnel,
Suspiro insólito,
Ponte quebrada.


TODO POETA É TRISTE
Para Marosa Helena

Meu caminhar é solitário
E o meu destino está
Envolto em sombras.

Sigo por seguir.
Um poeta sofredor
Desvendando segredos guardados
Nos cofres da eternidade.
Filósofo errante que mente,
Pelo belo e prazeroso
Sabor da mentira.
Como um trago de fumo
Gostoso e desejado ao viciado;
Tal qual a ânsia do escarro,
Ao trago do velho cachimbo.

Vou indo por ir.
Um poeta miserável
Guardando os mistérios
Das mentes medianas,
Da mediocridade humana.
Semelhante ao gado no campo
Que come sem escolher o capim,
Sem distinguir a celulose em forma de papel
Do mato verde, cheiroso e fresco.

Ando por andar.
Um velho poeta triste
Fazendo poesia como o sal:
Tão útil e tão barato.
E todo poeta que existe
Neste mundo, vive melancólico
No pêndulo de uma vida triste;
Todo poeta é infeliz,
Todo poeta é triste.

ANDARILHO SONHADOR

Olha, lá no fastígio dos montes,
Já declina o sol e desvanece o dia.
Segue agora os meus pés vacilantes
Pelas calçadas frias da cidade.
A solidão, fiel companheira,
Segue-me a passos lentos pela estrada
Que procuro depois do fatigante trabalho
Das horas intensas de ensinamentos,
Do compreender a muitos
Sem ser ouvido.
O que procura meu corpo se já está cansado?
O que deseja a alma se já se esmorece?
Por que pergunto a mim as coisas que já sei?
Verdades. Doloridas verdades me incomodam.
Fecho os olhos para algumas verdades
E mais tarde sei que sofro  por negá-las

Vejo um olhar brilhante em minha frente
Que se despeja em mim como um turbilhão de esperanças
Vem um ânimo que me torna forte
E espero encontrar no silêncio deste olhar
Um suspiro quente e ofegante
De um desejo comum.
Sonhos. Puros delírios noturnos.
Há olhares que não brilham,
Mãos que não carregam flores,
Pés que andejam a caminho oposto
E eu sou um poço de devaneios.

Apenas cães, vira-latas solitários,
Dividem comigo o vazio das avenidas
Uivam para a grande lua,
Perseguem outros felinos;
Ladram com as folhas secas
E acham um chão morno pra deitar.
Os ventos cochichando em meu ouvido
Diz-me que é tempo de andar;
Sou eu um andarilho sonhador a buscar paradas...
Quem sabe na próxima encontre o que busco,
O que me completa e que me faz forte.
Parece infinito o caminho,
Mas sei que tem fim;
Talvez não seja o fim da estrada,
Mas pode ser minha última parada.
ERRO

Apostei na vida que perdia;
Que ganharia a vida se a perdesse,
Que tornaria o dia menos triste,
Que já tudo seria como dantes.
Falhei na aposta,
Falhei na vida,
Deveras jamais errei.
Errar não é humano, é tolice,
Somente me engano, embora.
O erro é o que não se corrige.
É o engano que se repete,
O lixo humano que não se recicla.

SE DEUS ME DESSE VOCÊ

Se Deus me desse você
O que posso dizer
É que seria feliz.
Meu amor floresceria
E não se perderia
Na curva vazia dos sonhadores.
Em uma jazida de flores,
Jorrando em rios de amores,
Pelas veias de nossa existência
E ao som do seu brado,
Meu corpo extasiado
E sonhos perfeitos,
Acima dos seios,
Das cinzas eu ressurgiria.
E todos os meios possíveis,
Sim tudo o que fosse possível,
Para ter tua sombra comigo,
Sem nada que pudesse esquecer,
Se Deus me desse você,
Todo o possível eu faria.
Pode até não ser como eu gostaria,
Já não iria chorar, eu sorriria.
Iria caminhar visionário ao encontro da lua.
Taparia a boca dos meus inimigos.
Fá-los-ia permanecer calados.
Derrubaria da praça o banco dos namorados,
Para construí-lo à frente de minha casa.
Talvez amor seja o coração parado,
Talvez paixão seja sangue derramado,
Visto que a mente vaga tremulante.
Alem do brilho do teu olhar
Não cintila mais nenhuma luz;
Alem do gosto de tua boca,
Não se sente mais nenhum sabor;
Alem de pedir a Deus você,
Não há mais nenhum pedido.
ÊXODOS ETERNOS

Quando cintila o sol por entre as serras
No meio da escuridão que se dissipa,
Se ouve o fofar do chão,
O grito dessas pedras,
Bem antes que o sol queime.

Quando ainda o bebê na cama
E o passarinho lá no ninho sonham,
Rasga-se a mão do sertanejo;
Desce o suor pelo seu rosto
Bem antes que o sol queime.
E se o ranger da lenha
Que o machado castiga ferrenho
Não se ouvir
–        ao sol que queima  
Há de sossegar o fofar da terra,
O grito rude dessas pedras
E a mão rasgada descansar.

Um olhar tristonho no destino,
Gosto de fel e dor no último beijo,
Deixará novamente sua terra
Em um novo êxodo
(In)feliz sertanejo.
NUMA MANHÃ DE SEXTA-FEIRA

Numa manhã - recorda a pobre
Espinheira do caminho:
Quem diria serem seus espinhos
Os protagonistas de uma triste cena?
Numa manhã  recorda um passarinho:
Quem diria estar em seu ninho
Entrelaçados tão poucos espinhos...
Porque não pegara mais?

Era uma manhã de sexta-feira;
dizia um menino sonolento:
Tão preguiçosa e vazia,
Uma manhã que lembrava o fim do dia.
Era uma manhã sofrida, talvez sim.
Um dia que temia nascer, quem sabe?
Dolorido ainda era o soprar dos ventos,
E pensaram tristes: é um dia infeliz!

Mas era a mais feliz de todas as manhãs.

E o sol brilhou sem medo,
Intenso como nunca fora,
Quem sabe ainda mais ferrenho
Do que em outros dias.

É que se erguera Um Valente
Pra lutar com a morte
E vencê-la.

SAUDADES
Aos que ficarem

Àqueles por quem agora chora o meu coração
Quero deixar um adeus festivo.
Foi muito bom ter estado com todos vocês,
Foi bom ter falado,
Foi bom ter ouvido.
Quando me fluírem lágrimas,
Na escuridão da distância
Que vos esconde de mim,
Vou abrir um álbum e ver
Os sorrisos,
Os abraços amigos,
Os beijos de gratidão,
Os apertos de mãos calorosos.

Vou tirar da bagagem que carrego
Vosso carinho,
Vossa compreensão,
Vosso abrigo,
E guardar tudo no peito
Antes de prosseguir.

É que ao olhar para trás eu não vejo mágoas.
Vou me perdoar pelos erros e dar-me outra chance.
É prova de que sou humano
E de que estou vivo.
Então terei certeza que foi pra valer!
Que tudo valeu a pena.
Que esta saudade que aperta meu peito,
Dói de um jeito feliz;
Do jeito que eu sempre quis,
Inexplicável.




DISTÂNCIA

Não vou olhar teus olhos
Fingindo que não vejo.
Não vou mentir de perto
Fingindo estar longe.
A porta que me abre a luz do teu olhar,
Decerto é a saída por onde não vou passar.
A estrada por qual caminho,
Tu jamais irás pisar.

Tu és a pedra que o destino não deixou no meu caminho.
És a rosa sem espinho que eu não vou possuir.
Causa sem conseqüência,
Uma expressão sem rosto,
Sim, és o que quero e não mereço.
Em todo fim há um começo.
És o sonho perto que está longe.
Tu és o começo do meu fim.
COMETA

E voaram
        Os sonhos
             Ao infinito.
                 Tu o levaste de mim, contigo.
               Eu nada mais contive...
          Tanto sonhei realizá-los todos!
     E em suma, nada mais me resta.
Quão tristes as vidas sem os sonhos!
     Somente as lembranças não voam:
         A saudade não segue o infinito.
             Eu fico acordado em sofrimentos.
                Não durmo: vejo as estrelas.
                  Fecho os olhos pra realidade!
                Não sonho. Não há sonhos.
              Tento um despertar num mundo perfeito!
            Em tua casa distante, mas...
          Estou fisgado à terra.
       Talvez existo por existir!
    É tudo que em mim ficou,
  Deste revoar de sonhos
Que tu levaste ao infinito.




SEUS OLHOS
A Nanty

Teus olhos reluzem
Como estrelas cadentes
Como o sol no poente
Refletindo no espaço
Sobre as águas do mar.

Teus olhos são puros
Como os filhos das aves
Nos penhascos seguros
Dos predadores malignos
Devoradores reais.

Teus olhos intensos
Dilatam o tempo
De desejo entre nós
Como voo do condor
Tornando-nos cativos
De etéreo amor.


O POETA COMPLETO
A Drummond, em seu centésimo aniversário.

Quando achei que tua ausência era falta,
Faltei, confesso.
Não há ausência em ti.
Estás, no meio das horas e sempre,
Potente e onipresente,
Eternizado nos versos reais,
Ausente de ti,
Talvez;
E, de nós, inteiramente,
Presente.
E ninguém te parou
Nem a pedra que havia no meio do caminho,
Porque estás preso à vida,
Nem a grandeza do mundo
Do mar e do amor
Encobriram-te.
Falastes de tudo e de perto:
Do mais belo oásis, ao mais quente deserto,
E tornastes uma pessoa imortal
Decerto, um poeta completo.


AS CANÇÕES

Todas as canções que eu ouvi foram misteriosas,
Todas atravessaram um portal em meu interior,
Foram profundas.
Todas pisaram as terras virgens do meu ser.
Desvirginaram-na.
Enquanto um vazio absoluto,
Um clamor absurdo,
Um longo soluço,
Estiveram mudos,
Estive surdo.

Depois de manifesto o ultimo sofrer
Todas as canções eu as ouvi
E todas elas me viram nu
Despido da proteção das estrelas
E do fulgir dos cometas
E as vi em meu cerne a buscar
Meus mais íntimos tabus,
Minhas vergonhas íntimas,
E despiu-as também (que bom)
Nus, os tabus, as vergonhas e eu,
Entendemos-nos  subjugamo-nos.
Todas as canções que já ouvi
Fizeram assim.


O GRITO

Acorda tua virtude
E sai pelas ruas...
Enxerga o destino das mentes
Que se vão ao azul infinito e ao sol
Nos ares em celeste amplitude
Sem encontrar um lugar no horizonte,
Ou mesmo o jazer lógico das sementes.
Quem seguirá tuas virtudes no espaço existente,
Que de tão complexo limita o universo,
E de tão vasto esgota o clamor de meus protestos?

O meu pensamento que me parece tão distante,
Tão indefeso e incerto,
Ronca nas madrugadas, rua afora.
Ó virtude desistida!
Fostes demitir-se da vida?
Agora não fazes brilhar a razão.

Que a nossa morte seja um plano superior de resgate:
Ou descansaremos libertos pela razão da existência,
Ou morreremos decerto sem esta dor na consciência.
Mas seja cedo, não muito tarde,
Quando já se embale sonolenta a mente
E o corpo por trás das grades.
CASA SECRETA

Perdi a chave do meu coração.
Quem a achou?
Não sei se num vôo caiu e num profundo mar se perdeu
Ou no jardim de uma casa esteja junto às rosas
Talvez a perdi no pátio da escola...
(...)
Quem invadiu o meu interior?
Quem despertou meus sentimentos?
Ah, a chave foi achada. Que bom!
Pode me devolver?
Esta chave me pertence.
Com que direito adentras meu interior?
Entra e sai sem ver que estou aberto.
Tranca-me a porta, pois nada tenho a oferecer.
Sou apenas um cômodo vazio
Uma mesa e três cadeiras
Numa está minha fé
Estou noutra
E há uma vazia.
Meu coração agora está aberto
Quem se sentará à mesa?
Você?


O PÓ DA TERRA

Queria saber deste solo quente,
Desta palma em chamas,
Destes galhos secos,
Quanto tempo resta à última vela
Pra se apagar finalmente?
Queria ouvir desta ninharia,
Desta covardia,
Deste ser que geme,
O rouco som da vida  e saber
Quanto tempo resta ao sopro derradeiro.
Ó céus áridos!
Cálido vento que rechaças a terra.
Quanto tempo resta ao sopro derradeiro?

Por onde voa a fênix da eternidade,
Para que eu beba em vinho tinto
Suas nobres cinzas
E reviva desta inércia mórbida
Que me prende ao barro seco
Destes meus lugares?


Agora já deixei ir a multidão...
Não há porque haver mais velório.
A sangria já resvala ao tíbio esplendor do dia,
O ferrenho sol seca toda a ferida,
As chagas deste chão já vão se desfazendo,
O vivo, sem dó, vai morrendo, e o morto,
Subindo deste pó, vai vivendo.




CORAÇÕES VAGABUNDOS

Ó céus!
Como sofrem os amantes perdidos
Por esse mundo estranho perambulando,
Sem conceitos de si e destino de vida!
Vejo os olhos vagando na vastidão dos campos
Desejando o vislumbrar de sua alma querida.
Dize-nos tu, que és de cima,
Se a ilusão que migra o ser disforme
Conforme vagabundeia sem fim,
Pode, por piedade, dar cabo a si,
Fazendo de seu vagar a morte
Como a luz num ermo medonho?

Ouvi na voz do silêncio,
Este som que na alma voa,
Que tens um acordo comigo
E que não vivo à toa...
Fiz minha cama neste navio,
Hoje eu viajo na proa,
Amanhã eu nem cruzo o rio.
Ouvi dizer que vós, deuses dos mundos,
Onde andam os meus sonhos, sabeis!
Somos nós, corações vagabundos,
Almas a submergir no vazio,
Nos desencontros,
Nos imprevistos,
Ou sem clareza de entendimento,
Sem uma luz de pensamento,
Sem uma razão de existência,
Nunca se percam nem se separem
Quando nunca se cruzaram
Em um mesmo destino.




IRONIA

Irônico foi pensar em ti o tempo inteiro.
Foi sonhar com a cor dos teus olhos,
Foi imaginar o sabor dos teus beijos,
E agora, em tua frente,
Não sei nem dizer um oi.

Irônico foi acreditar no sonho,
Levar fé na imaginação,
Ter-te o tempo inteiro,
Nos instantes do pensar.
E agora, a teu lado,
Estremecer de confusão
Nem saber o que falar.

Irônico sim, e mais ainda:
Desejar teu corpo inteiro
E, te vendo junto a mim,
Nem saber o que fazer,
Não dizer o que eu quis.

Tinha uma abordagem ensaiada,
Tinha uma linguagem bem bolada,
Tinha um sorriso bem faceiro.
Seja Deus e o mundo inteiro,
Hoje minhas testemunhas,
Que não foi sem sentimento,
Que não foi sem alegria,
Que te vi naquele dia,
E te quis o dia inteiro.

Só na hora que tu estavas
Do meu lado e me olhavas,
Foi que me senti estranho;
Veio-me tanto contentamento
E todos os meus pensamentos
Atolaram o desempenho.
Nem saiu uma palavra;
Um sorriso foi tão tímido,
Uma voz tão embargada.

Somente meu coração,
Saltando dentro do peito,
Falando sem palavras.
SEM VOCÊ
Essa noite se você
Não estiver ao meu lado...
Vou sofrer,
Vou querer
Mas vou ficar calado.
Essa noite vai ser longa
Se você não estiver aqui
O meu corpo vai tremer
Por ficar distante,
Mas vou ficar calado.
Vou manter meu coração
Cada vez mais ocupado;
Enganar meus sentimentos
Que querem você a meu lado
E ditar ao inconsciente
Que a vida não é triste,
Que não se vive do passado,
E que você já não existe.
Vou acalmar meu coração,
Vou deixá-lo ocupado,
Vou permanecer calado.
Essa noite no meu quarto,
O Roberto não vai cantar,
Vou curtir o Legião,
Vou sumir pelo espelho,
Vou sair pela tv.
Esta noite sem você
Quero ficar escondido...
Não importa o que digo,
Nem tampouco o que eu ouço,
Quero guardar o meu frio,
Quero fingir um sorriso,
Quero esquecer o teu corpo.


COLORIDO

Ser este tipo assim
De gente em meio-tom,
De alma fria em corpo ardente,
É maquiagem sem batom;
É parecido com o diferente.

O que vêem em mim?
A complexidade pueril ferida;
Colagem de recortes de aparências
Indefinidos como caminhos de serpente.
É como o clarear do sol
Sendo mesmo o adormecer do dia.

E vou andando, enfim,
No corpo o rosto erguido,
Outro ser destilando encanto.
É como um filme colorido,
Em gravações da própria ausência
Que se revela em preto e branco
Num longo grito de socorro.

Em tudo o que é festa existe
Um caminho de ida, outro de vinda.
O amargo é o gosto dessa solidão,
Sempre que dela volto desbotado.
A festa não é o colorido alegre das meninas,
Nem é dos meninos o colorido triste.


AMIGO

Meu bom amigo
Não estou disposto
A escrever os versos simplistas
De uma vida normal.
Não nasci tristonho,
Não nasci errôneo,
Nem cresci perfeito;
Não pratico o mal.
Não sou delinquente;
Sou fugitivo das rotinas.
Meu bom amigo,
Não te faço de escada,
Não tenho uma namorada
Pra chamar de meu tesouro
E agradar aos outros
Pra não ser anormal;
Desconheço a vida assim...
Felicidade é, pra mim,
Momentos bem vividos;
E quem vive ausente
Do mágico presente,
Nem sabe que está perdido.
Meu bom amigo,
O beijo amargo é o mais contrito
A solidão é mais exata;
Vencer conflitos e não se ater
Vencido
Nem destruído
É coisa cara...



OUTRA VEZ

Quem me dera que tu fosses visão,
Sonho, fantasia, imaginação;
Coisa passageira, chuva no sertão.
Quem me dera tu fosses só ilusão.

Não sei mentir, nem posso...
Fugir do destino num autoengano
Quem neste mundo se esconde?
Fácil é iludir os olhos com um rosto risonho.

Asas, quem me dera tê-las,
Para passar distante do teu coração
E ainda que cego eu fosse, poderia vê-las,
Tuas mãos me levando para a perdição.

ANTES DO AMANHECER

Uma florzinha se abre devagar,
Uma criança chora sem querer,
A borboleta rasga seu casulo.
Uma senhora se põe a cantar,
O poeta se propõe a escrever,
O mundo vai deixando o lado escuro.

Tudo isso se pode perceber,
Perto do fim da noite,
Antes do amanhecer.

Levanta o marruá na fazenda,
Andeja pelos campos sem destino,
Bem fazem seu dever – os passarinhos,
Comendo e vivendo sem ter renda.
O trabalhador que segue seu caminho
Não temem o labor e seus espinhos

Tudo isso se pode perceber,
Perto do fim da noite,
Antes do amanhecer.

CANTANDO PARA UMA ESTRELA

Hoje eu quis olhar o céu
Cantando para uma estrela
Era de ceda o vestido
E a mesa se cobria de renda
O tapete da sala era marrom
Vermelho era a cor do seu batom

Quis dizer a ela palavras de meu coração partido
Falei em uma canção das vezes que quero ir e fico
De quando indo – vou me deixando um pedaço
Momentos que me olho e vejo que me falto
De quando eu rio de coração soluçando.

As controvérsias cantei nos meus versos,
Quando eu peço e vou lhe dando
Meu endereço escrito ao inverso
Umas noites daquelas que parecem dias
de fulgor irradiante e recital de poesias
Uns dias daqueles que parecem noites
de tanto horror, tragédias e dores.

Fiquei cantarolando para uma estrela
Dizendo palavras que parecem bobas
Como quem não tem nada a fazer
Tipo de gente que tem pouco a dizer
Mas eu disse bobagens boas
Tolices elegantes.

Gostosas ingenuidades distraíram-me hoje
Fui cantando em tons diferentes o mesmo refrão
Falando as mesmas coisas em diversas canções
Aproveitando os sinônimos da língua e suas redundâncias
Para aclarar o rosto da noite sombria
E dá-la de presente à estrela mais carente
Que, geralmente, nasce no poente
E tem vida curta.


PÁSSAROS E SOLIDÃO

Aquelas andorinhas voando
Seguindo o sol no poente
Com medo da noite que vem
Na direção dos homens,
São as almas dos amantes
Que namoram nos bancos dos jardins.

Aqueles pássaros que passam
Pelo céu em voos rasantes
Veem fugindo do vazio
Que os ares lhes dão.
Têm a pressa de quem chora,
O desejo de quem ama,
E a calma de quem ri.

Pássaros e solidão voam juntos
A um destino incomum:
Os pássaros seguem o sol,
A solidão segue o homem.


SECRETO

Se não se importa
Deixarei fechada a porta
Que é pra a gente conversar:
Tive uma paixão proibida
Que durante toda a vida
Eu não poderei falar.
VOU ESQUECER TEU OLHAR

Faz tempo que não vejo você
Esta solidão está me matando
Dói corroendo dentro do peito
Abrindo crateras – minando...
Todo dia quando eu abro a porta
Espero encontrar você no sofá
Espero ouvir você me chamando
Somente um abraço eu queria dar

São altas horas da madrugada
Ouço os cães ladrando na rua
Você novamente não apareceu...
Saio e vejo a lua
Tua imagem está se apagando
Estou lutando pra ela não acabar
Mas se você ficar demorando
Vou esquecer teu olhar...

Alguém pode dizer que ama você
Mas não ama mais do que eu
Você pode até não me amar
Mas ninguém fará por você
O que eu seria capaz de fazer
No silêncio enlouqueço...
Ouço tua voz,
É loucura – alucinação,
Na verdade é paixão.
Eu não quero esquecer você,
Nem me lembrar da tua ingratidão,
Recordando-me das noites sozinho
Que eu abria a porta esperando ver
Teus passos pelo caminho em minha direção...

Vê se dá um jeito de salvar este amor,
Vê se dá um jeito de me encontrar,
Vem que vale a pena ser feliz comigo,
Senão vires, vou esquecer teu olhar...

INDECIFRÁVEL

Porque do amor
Essa coisa estranha que me cerca
Que dói o tempo inteiro
Por presença e por ausência
O amor que eu sinto
Que me deixa feliz
E de suas coisas bonitas
Eu não sei falar...

Quiseram os deuses
Ocultar dos poetas amantes
O conceito do amor bem vivido.
Então esta coisa que é o amor
Não pode ser explicado
Com as palavras mais bem elaboradas
Com as coisas mais bem ditas.

Há uma profundidade indecifrável:
O bem querer e o ser querido,
Do olhar nos olhos e ser visto,
De ter outra pessoa como parte de nós mesmos,
Sendo duas almas que se encaixam,
Duas coisas que na verdade são
Apenas uma.

Eu – uma criatura que já sofreu,
De amores indiferentes quando os tive,
De desejos de amores que não tive,
Fiz poemas pra dizer como dói não ser amado,
Como dói a solidão;
E ao amor correspondido,
Eu não sei louvar.

Esta coisa de amor,
Indecifrável como o universo,
Mesmo assim vou mergulhar,
Sem conceitos e sem medos,
Sem vontade de acordar.

O menino olhava o céu
Quem do céu via o menino?

LOUCURAS DE AMOR

Pra dizer que te amo
Eu já fiz mil loucuras
E outras tantas eu farei...
Se amar vale a pena,
Ser amado também.
Vou subir em um muro e gritar...
Vou a São Silvestre vestindo teu nome,
Pular de paraquedas, voar de balão,
Cruzar a bahia de Guanabara,
Com teu retrato na mão.
As rádios da cidade tocarão
Todas as músicas de amor pra você...
E que te amo eu direi na tv.
De todas as palavras doces
Escolherei a melhor
Pra expressar a ternura
Que eu sinto por te...
E de todas as flores
Oferecer-te-ei a maior.
De todas as minhas loucuras,
Farei a de amor...
Que te surpreenda e te encante,
E te deixe pronta ao abraço,
Também louca ainda mais,
Pelo calor dos meus beijos...



ODISSÉIA

Beija-me com os beijos de quem nunca esqueceu
Olha-me com os olhos de quem nunca desistiu
Abraça-me com os abraços de quem nunca se perdeu

Porque de fato nossos caminhos se descruzaram
Nossos destinos se opuseram
Nossas lembranças se confundiram
E nós nos distanciamos

De toda beleza que era nossa história
Toda a opulência com que nos vestíamos
De amores e sentimentos encantados
De tudo isso sente falta a nossa alma
E daquele fogo que nos aquecia
Hoje restam as cinzas frias
Nosso lugar ainda lembra uma fogueira
Nossa existência ainda lembra paixão
Coisas que já ocupam lugar de destaque
Nas boas lembranças do passado
Que de vez em quando batem novamente
Na porta do presente pra nos dizer latente
O quanto ainda se pode amar


JÁ ESQUECI TEU OLHAR

Há tanto que não te vejo
E tanto que não me lembro
Tanto que não percebo
Quanto que é sentir
O quanto que é sorrir
Há quanto posso dormir
Os dias passam depressa
Os meses correm sem parar
Os anos voam vertiginosamente
O tempo não vai parar
O show da vida não cessa
O homem não sabe amar
A instabilidade impera
O cerco tende a fechar
Já disse – não é quimera
Já esqueci teu olhar

Os cães continuam ladrando
O tempo continua passando
Ainda posso ver o luar
Mas teu rosto – que se foi pouco a pouco

Do teu rosto não consigo lembrar

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